domingo, 15 de abril de 2007

Clamores


Clamo dentro de um círculo
é um confuso clamor de silêncios subterrâneos
de alguém envolto numa névoa tenaz alguém que é ninguém
e todavia é um cavalo esquartejado

Sou uma palavra anelante uma palavra suspensa
que quer ser mão estrela navio ou cometa
o voluptuoso pulso de um felino
o puro espaço de um olhar
uma varanda aberta para um silêncio azul
uma amêndoa de água lisa e musical

Busco a liberdade busco a dança
busco o diamante de água
e sinto a tranquila rosa da liberdade estática
dinâmica pura na sua inércia pura
Busco a liberdade busco a dança
no apetite inteiro da vida inteira
com a fúria de um búfalo e a delicadeza de uma gazela

Quero encontrar uma palavra que seja apenas uma palavra
como uma arma nua e transparente
quero encontrar uma palavra como uma nuca sem palavras
quero encontrar uma palavra maravilhosa como um clianto
que é uma palavra e uma flor na plena aliança da voz e da visão

quero reunir os gomos de uma laranja de silêncio
quero adivinhar uma ternura trémula nas portas de lua de uns joelhos
quero e quero e cada vez mais quero as palavras vivas
tão frescas e delicadas como o púbis de uma adolescente
tão solitárias e luminosas
como os campos imóveis sob a lua
tão minuciosas e puras como a concha de oiro e trigo de um umbigo
tão movediças como a migração da areia para o mar
tão resplandescente como as ilhas brancas do meio-dia
António Ramos Rosa, «Clamores» Imagem: R.Margritte

Com ou sem FMI...