segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

A falta de tempo


«O Papalagui nunca está contente com o tempo que lhe coube e censura o Grande Espírito o não lhe ter dado mais. Chega mesmo a blasfemar contra Deus e a sua grande sabedoria, dividindo e subdividindo cada novo dia que nasce, segundo um plano bastante preciso. Corta-o como se cortaria em pedaços uma noz de coco mole com um cutelo. As várias partes têm todas elas um nome: segundo, minuto , hora.(...)
O Papalagui emprega todas as suas forças, bem como a sua capacidade de raciocínio, em tentar ganhar tempo. Utiliza a água, o fogo, a tempestade e os relâmpagos para parar o tempo. Põe rodas de ferro nos pés e dá asas ás palavras, só para ganhar tempo. E porquê tanta canseira? Como é que o Papalagui emprega o seu tempo? Nunca percebi muito bem, embora, pelos seus gestos e palavras, sempre me tivesse dado a impressão de alguém que o Grande espírito tivesse convidado para um fono.
A meu ver, é precisamente por o Papalagui tentar reter o tempo com as mãos que ele lhe escapa por entre os dedos, como uma serpente por mão molhada. O Papalagui nunca deixa que ele venha ao seu encontro. Corre sempre atrás dele de braços estendidos, não lhe concede o repouso necessário, não o deixa apanhar um pouco de sol. Tem que ter sempre o tempo ao pé de si, para lhe cantar ou contar qualquer coisa. Mas o tempo é calma, é paz e sossego, gosta de nos ver descansar, estendidos na nossa esteira. O Papalagui não se apercebeu ainda do que o tempo é, não o compreendeu. É por isso que o maltrata, com os seus modos rudes.»
Discursos de tuiavii chefe de tribo tiavéa nos mares do sul - O Papalagui

Com ou sem FMI...